“La vecchiaia è brutta”, dizem os italianos. Ou seja: “A velhice é feia”.

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Este ditado é assaz revoltante, aqui ou na Itália.

Talvez tenha sido criado pelos próprios velhos italianos, os nonos e nonas, mais como um reflexo de uma sensação de amargura por uma condição de vida de dificuldades, que não escolheram, ou pelo tratamento recebido pelos mais novos.

Mas é claro que a velhice pode e deve ser bela!

Quantos idosos vemos irradiando beleza, sob todas as formas que beleza pode significar?

​E qual o segredo para se viver muito? Existe uma fórmula?

​No livro A Ilha dos Anciãos o autor, Ben Hills, visita as montanhas da ilha da Sardenha, região no mundo onde as pessoas tem maior chance de chegar aos 100 anos. Tanto os homens quanto as mulheres, em proporções iguais, diferentemente dos outros lugares, onde há bem mais viúvas que viúvos.

O livro tenta achar um fator (ou fatores) comum a estes velhinhos, e que possa explicar por que vivem tanto. Se havia a esperança de um gen da longevidade, neste caso não foi encontrado. Mas não se pode negar que mesmo não se identificando um gen específico, que possa um dia ser isolado e “enxertado” na carga genética das outras pessoas, há que se reconhecer que alguma genética existe.

Pais muito idosos geram progênie idem. As causas genéticas disto ainda são assunto para o futuro, talvez com base não em um, mas em múltiplos genes.

Mas voltemos à ilha do livro e seus velhinhos.

O que mais tinham de hábitos? Comida regrada? Nem sempre. Uns comem pouco, outros muito e de tudo.

Uns comem verduras, outros arrepiam “de modo teatral” só de ouvir falar em saladas. Mas em geral não são gordos. E, para compensar alguma comedoria excessiva, todos contam uma história de trabalho duro no campo desde novos,

às vezes dia e noite na época das colheitas, sem entender quando alguém de fora pergunta qual é o seu passatempo.

“Seu único passatempo é o trabalho” nos diz o autor. Quase ninguém se aposenta,

e continuam ativos mesmo depois de bem idosos.

Vinho? Os homens quase todos tomam. As mulheres, umas sim outras não.

Ah bom! Um dos tais centenários desta Sardenha retratada no livro (Antonio Argiolas, aliás o “garotão” da capa do livro) produziu um dos “1001 vinhos que se deve beber antes de morrer”, o tinto Turriga, super forte e troncudo, feito com uma uva local, a Cannonau, de casca grossa e que é fermentada junto com o mosto de modo tradicional, durante semanas.

Um estudo científico testando 165 vinhos de várias partes do mundo mostrou que esta uva divide com a Tannat o título de ter a maior concentração de substâncias benéficas para a saúde cardiovascular. “Para tristeza dos esnobes do vinho, não era nenhuma das variedades mais nobres e conhecidas…”, comenta Hills, o autor da Ilha dos Anciãos. Antonio só se retirou da sua lida com os vinhos em junho de 2009, quando fechou os olhos pela última vez, aos 102 anos.

Mas não se iluda. Tem longevo lá que nem passou perto deste ou de qualquer outro vinho. O autor reconhece apenas três fatores comuns aos super idosos da ilha, todos três ditos “não ortodoxos”, ou seja, não estão entre os mais cotados, como colesterol, pressão, cigarro, etc:

  1. Uma espiritualidade muito desenvolvida. Todos muito religiosos.
  2. Uma família bem estruturada. Os parentes velhos não são um incômodo, e nem alijados do convívio familiar. Ao contrário, a casa gravita em torno deles.
  3. Todos têm uma fé muito grande no futuro. Parece que de tanto enfrentar e superar as durezas da vida e sobreviver, dão a impressão de que estão sempre prontos a encarar tudo o que vier pela frente, sem medo.​

Outro povo longevo e que trata seus idosos de modo respeitoso e os mantém totalmente inseridos no contexto familiar são os japoneses.

Curiosamente, pode não ter sido assim sempre.

Pelo menos no território das lendas seculares, num passado longínquo teriam existido as “Ubasute Yama”, ou montanhas para onde os velhos eram levados e abandonados para morrer em épocas de escassez.

Tudo indica que o aspecto comportamental e espiritual, apesar de difícil se mensurar, o “saber viver”, e o ambiente social e familiar em que se vive, sem dúvida influencia a saúde.

Vejam este diálogo (real) entre um paciente de 96 anos, super enxuto e em ótima forma, e seu médico com pouco mais de metade desta idade:

– Mas o senhor tem 96 anos? Parabéns pela boa saúde!
– Doutor, o senhor quer chegar lá?
– Só se for com esta saúde toda que você tem.
– Vou te dar o segredo (ai o nosso doutor já imaginou que viria algum conselho sobre alimentação, exercícios, vida saudável ou coisa que o valha).
– O segredo? Saiba perdoar! O perdão faz um bem prá nós mesmos maior do que prá pessoa perdoada!

Um estudo científico mostrou que uma vida de solidão é também um risco. Que as pessoas casadas vivem mais que as solteiras e divorciadas.

Mas veja como as estatísticas são engraçadas. Um outro estudo mostrou que os infartos acontecem mais dentro de casa.

O que levou um cientista com um afiado senso de humor a afirmar, após analisar estes dois estudos: “Então pronto! Está aí o segredo: é só todo mundo se casar, mas evitar ficar dentro de casa!”

Já outro paciente ao comemorar suas bodas de ouro, deu a fórmula para se evitar

o divórcio e fazer o casamento durar: “Tem que se manter sempre um certo grau

de cerimônia. Evitar escrachar. Banheiros? Cada um tem o seu. Intimidades, só na hora H”.

Brincadeiras à parte, o compromisso para envelhecer bem não é apenas pessoal, é da família e da sociedade.

É pessoal, no sentido de hábitos saudáveis e cuidados tomados ao longo da vida.

Até certo ponto, “envelhece-se como se vive”.

Da família, reservando um lugar, permitindo que o idoso sempre tenha sempre um papel no contexto da casa.

E da sociedade e do governo, não fugindo de suas responsabilidades para com os idosos. No Brasil ou na Itália, há idosos irradiando beleza.

É possível que seja uma beleza muito mais interior, irradiando de dentro para fora, do que exterior.

Uma paz de espírito, uma simpatia, um belo estado d´alma, ou seja lá o que for.

E por que não vemos isto mais amiúde? Como contestar com mais veemência o ditado italiano? Como pode irradiar beleza um idoso carente, fisicamente doente e deprimido?

Vejamos algumas ameaças reais que podem afetar a terceira idade:

  • Doenças físicas e psíquicas, em especial a depressão. Esta pode ser difícil de ser reconhecida, e precisa ser tratada com medicamentos.
  • Dificuldades financeiras, que incluem benefícios previdenciários não muito benéficos, e que por sinal estão na ordem do dia, em ampla discussão, mas sem uma boa solução. E, pesando ainda mais, gastos com tratamentos, remédios, e até mesmo a divisão dos seus já parcos recursos com familiares, incluindo filhos adultos que ainda não se lançaram no mundo por falta de emprego, dentre outros motivos.
  • A exclusão social. Na nossa sociedade, belo é o jovem e ponto final. Mesmo que o belo jovem de plantão de hoje seja rapidamente esquecido e substituído, amanhã mesmo, por um mais belo ainda que um empresário descobriu e a mídia lançou e que passa a ser o padrão a ser imitado a qualquer custo. E que custo!
  • A exclusão familiar. No nosso modelo familiar ocidental, a opinião do idoso, seus anos de experiência, não contam. Num contexto globalizado de mudanças rapidíssimas, como é que ele vai saber opinar alguma coisa? Mas e a sua bagagem de vida, do “ já vi este filme antes”, não conta?

Espera aí. Tudo isto aí acima, pode acontecer, se já não aconteceu, com qualquer um de nós. Os que ainda não são, serão os idosos da vez. E ainda achando bom, pois envelhecer não é afinal o preço que é pago para continuar vivo?

O Brasil, país de jovens, caminha rapidamente para ter em poucas décadas uma das maiores populações de idosos do mundo.

Então, este desafio é para todos nós, idosos de hoje ou de amanhã. Para que a chamada terceira idade seja realmente chamada de a melhor idade.

E para que seja contrariado o ditado italiano. 

E que possamos ouvir, cada vez mais: “La vecchiaia è bella!”

(Obs.: Extraído do artigo de mesmo nome publicado pelo autor no jornal Estado de Minas, em 17 de janeiro de 2003.)

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